Wednesday 2 December 2009

Reacção à experiência da representação.

Este post podia ser mais intenso se não me tivesse falhado a internet em casa ontem (e num curioso aparte, sinto-me completamente indiferente a não ter internet durante cinco dias, o que é preocupante). Corria o risco até de soar altamente histérico, ao contrário dos outros que só o são levemente - tanto melhor para o formalismo, mantenho o registo.

Ontem participei pela primeira vez numa workshop de representação. A intenção era proporcionar a aspirantes de realização a experiência do actor, para compreendermos melhor os processos por que ele passa para que nos seja mais fácil retirarmos dele aquilo que necessitamos. Estou a participar só como observadora, porque esta workshop é supostamente apenas para o segundo ano mas vale a pena infiltrar-se durante as duas semanas já que, por determinadas condições, pode ser possível que para o ano a workshop já não seja a mesma, porque o orientador é o próprio Jack Garfein, que já vai nos oitenta anos, saudáveis mas mesmo assim pesados.
Garfein tem uma experiência de vida brutal, que alimenta o seu método de representação. Ele ensina que o actor não deve fingir emoções, deve antes representar através de memória sensorial - isto é, dado uma qualquer situação, o actor concentra-se numa situação semelhante da sua experiência pessoal e recorda fisicamente toda a experiência, cedendo a impulsos proporcionados pelo estado de espírito. Este método, criado por Stanislavski e desenvolvido pelo Group Theatre em Nova Iorque durante os anos 30, procura atingir realismo psicológico, manifestado fisicamente, e foi e é usado por um lista infindável de gente conhecida e reconhecida.

Só passando pela experiência é que se percebe o poder que isto tem. O sufoco provocado pela intensidade das memórias, como se manifesta em todo o corpo se este estiver pronto a reagir, é incrível. Não que seja surpreendente em relação às memórias em si, porque isso toda a gente sabe como podem ser fortes, mas a performance resultante desta abstracção é incrivelmente poderosa e tocante. Não posso descrever como toda paixão (leia-se como sentimento/sofrimento) da experiência humana se reúniu e transbordou e se tornou tangível durante os exercícios simples que fizemos ontem. Talvez porque éramos pessoas que não estão habituadas a passar por estes cenários, sempre do outro lado. Talvez tenha sido por causa do Garfein, que, com referências e histórias dos Grandes, deu subitamente àquele acontecimento uma importância suprema. Ouvir 'o Arthur Miller uma vez disse-me..' ou 'o Kazan costumava escrever notas no seu argumento sobre..' dá outra dimensão à coisa. Compreendo melhor o ego dos actores, e estendo esta afirmação a qualquer artista (porque tudo começa com performance) - se não encontrarem na sua performance o eco do poder que a arte que lhes antecede emana, são obsoletos e vazios; algo intrinsecamente verdadeiro da natureza humana tem de se manifestar e ser transmitido.

Tudo se resume à experiência humana, diz ela ouvindo Joy Division.

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