Sunday 26 October 2008

2 meses e 14 dias

Trabalhar já não é assustador. A responsabilidade também não é tanta que sufoque mas a noção de dedicar horas a algo em que não tenho o mínimo interesse às vezes faz-me sentir um arrepio de pânico. Pânico de ficar presa àquilo, de passar a depender daquelas horas para me encherem os dias. Mas Londres já é Londres, finalmente. Ou começa a ser. Começam os espectáculos, as saídas, as conversas, os jogos, os projectos, os livros, os filmes, mais rápido e exigente, mais igual à imagem projectada. O trabalho ocupa só uma pequena parte, impossível de tomar controlo sobre as outras porque o vídeo ocupa-me e nunca me sinto tão bem como quando estou em processo de criação.
Dois projectos para desenvolver durante o fim de semana. Um, uma troca - para já só storyboard. Outro, a exploração com uma câmara de um espaço. Decidi brincar com perspectivas e noções de tempo e espaço. O espaço ali é um contentor de tempo. Os vários momentos sobrepõem-se e contam a vida daquele espaço. Escolhi filmar uma passagem em Brick Lane, que só existe para quem lá passa enquanto passam por lá. E só passam por lá ao domingo quando a rua se enche de mercados, então não só o tempo veste o espaço de formas muito diferentes de momento para momento como a observação objectiva do espaço é completamente diferente da visão subjectiva de passagem. Foi com isso que me diverti esta semana, usando o som e a luz para guiar o espectador pelas várias perspectivas e tempos. Foi bastante intuitivo, mais do que qualquer outro vídeo até agora. Quero experimentar mais coisas destas.
Também soube bem as visitas ao festival de cinema. Até agora só duas e mais duas se conseguir bilhetes - isto não é bem como o querido Fantas... acho que há à volta de 36 projecções por dia, durante duas semanas, espalhadas por várias salas da cidade, todas com preços diferentes que vão desde as 8,50 libras às 35. Até agora vi o novo do Woody Allen, apresentado ao vivo pela Penélope Cruz que teve o prazer de dispensar 15 minutos ao frio para entrevistas e autógrafos, mais outros 5 dentro da sala recheada a contar histórias sobre a hipondríase do nova-iorquino. O filme, Vicky Christine Barcelona, lembra-nos que não há mais nada para esperar das pessoas a não ser que sejam elas mesmas - e surpreendentemente deixou-me de bom humor. O outro filme que vi foi Touki Bouki, uma criação espectacular do Senegal - as associações de imagens e a banda sonora ficam na cabeça para serem lembradas com um sorriso durante vários dias depois de ver o filme... mas vêm de mãos dadas com imagens brutais da aculturação de África, sob a forma da morte explícita de uma vaca no matadouro. Todo o filme dança entre o real e o imaginado, entre o rude tradicional e o moderno sofisticado, entre o pacífico e o caótico. Muito bem escolhido, a meu ver, pela Fundação do senhor Scorsese para restaurar e preservar.
O próximo evento, que espero, espero, espero, espero conseguir assistir é a Masterclass de Argumento que o Charlie Kaufman vem cá dar - uma cena à la Adaptation :) Tenho que me pôr dentro daquela sala esta quarta-feira, dê por onde der.

Por falar em coisas imperdíveis, ontem houve uma coisa dessas. Um concerto que nunca pensei ver. Gay Against You e Fonda 500. Nem tenho bem palavras - o aspecto mais fixe dos concertos em Londres é que estamos tão próximos das bandas que podemos mesmo curtir o concerto com a banda e no final falar com eles, trocar impressões, fazer figuras de idiota e discutir outros concertos imperdíveis. Não sei como é que as outras pessoas do público foram parar àquele concerto. Poucos estavam lá que já os conhecessem e gostassem, alguns que os conheciam e queriam sabotar a cena. É o risco deste tipo de coisa, quando os artistas são tão interactivos pode haver más reacções..admiro-os como a poucos por essa coragem e ainda mais porque desde que arranjam maneira de dar a volta ao público, tornam-se brutais. E antes de tudo o mais, eu cá adoro porque me divirto e vou guardar (e usar!) para sempre a minha tshirt vermelha onde o Ice Wolf said Okay.

Entretanto o Peixe:Avião leva-me pelas ruas e pelas semanas até ao dia que coma um lanche aquecido outra vez.