Thursday 29 January 2009

Um grande post sobre cinema, a moral e eu

Já ouvi por cá várias pessoas a dizerem que não consideram um filme bom, ou um realizador bom, por razões morais. O Tarantino não presta porque é imoral. O Fassbinder é obsceno. O Clockwork Orange é perturbado.
Demorei um bocado a perceber porque isso não fazia qualquer sentido para mim. Nunca achei que algo como a moral pudesse qualificar um filme. Que entre na equação eu até compreendo e aceito (se bem que de mau grado), mas que seja determinante... custa-me. Já sei que esta questão moral é muito importante para muita gente. Mas digam-me: porquê? A sério, sem sarcasmos e com mente aberta, estou a perguntar porque quero mesmo saber.
Não percebo porque é que insistem em ver filmes (e obras de arte em geral) com o filtro da moralidade; será que vêem melhor? Não. Portanto não vejo o que se pode ganhar com isso.

O facto é que esta questão está em todo o lado. Esta semana vi o Milk, do Gus Van Sant. Já a pensar nisto, tentei analisar o filme com o filtro da moral. Os meus primeiros pensamentos foram: 'Será que devo dizer que o filme é mau porque glorifica um político que usa o facto de ser homossexual para chegar ao poder e negociar o sucesso das suas intenções? Mesmo que o seu objectivo seja proteger os direitos de uma minoria?' Cansei-me.
Por outro lado, o filme é sobre alguém que sentiu que tinha uma missão e os meios necessários para a levar a cabo e portanto sacrificou-se. A história do mártir. Bato sempre na mesma tecla.
Costumo criticar os Estados Unidos por serem demasiado religiosos. Mas depois vejo estes filmes e comovo-me. Sou tão lamechas. Vejo estes filmes quase como num ritual, religiosamente. Já sei que me vou comover antes de os ver. E sinto-me melhor no final. E às vezes até choro. Porquê? O que me comove é ao mesmo tempo o que me irrita: a Fé. Porque acaba por se resumir tudo a isso. Em quase todos os filmes americanos (sem distinção entre Hollywood e independentes) o problema resume-se a uma questão de fé. Blargh para eles. É a questão fundamental para todos, mas tratá-la dessa forma pedagogicamente moral... gah, é um golpe baixo, no mínimo! É tirar-nos o poder de deliberar, porque é óbvio que a moral vai buscar mais raízes à irracionalidade e ao medo do pecado original do que outra coisa. É fazer-nos sentir, mesmo antes de raciocinar, uma distribuição ordeira do bem e do mal e como isso não existe, irrita-me. Mas como estou impregnada destas imagens, comovo-me.
Raios, como é que acabei a falar disto? Odeio estas palavras todas. Essa é uma questão tão inerente à cultura americana que já a ignoro nos filmes. E nas outras obras de arte. As pessoas só sabem falar do que conhecem, portanto para eles é um elemento de linguagem com um valor tão banal como os outros. Não deve ser determinante na qualificação dos filmes. Num filme europeu, pode-se dizer que o caso é diferente. Mas será ainda? Ou por muito mais tempo?

E eu ainda por cima estou lixada, que me dizem hoje que nem o Freud engendrou um mapa psicanalítico para as mulheres, nem o Nietzsche lhes reservou um lugar na super-sociedade que virá.

1 comment:

Cláudia Oliveira said...

As pessoas não gostam daquilo que não conseguem entender. Por isso, é que geralmente submetem as obras a esse filtro moral, a esse filtro religioso - porque simplesmente, não as entendem, nem se querem esforçar para entender. Recordo-me quando vi o "Mulholland Drive" pela primeira vez. Não entendi nada na altura, mas recordo-me de ficar bastante curiosa e fascinada com o filme. Fiquei como com uma pulga atrás da orelha e não tive como ignorá-la durante muito tempo. Outra pessoa teria ficado chocada, e eu sei (por experiência) que teria descartado a possibilidade de vir a saber mais acerca desta obra. É tanto aborrecido quanto frustrante sentir que tanta coisa maravilhosa foi ignorada porque simplesmente veio fora de época - dizem eles. Outra coisa é a cultura americana nos manipular de todas as formas possíveis e imagináveis. E nós, ou muitos de nós, continuam a ser os homens das cavernas que apenas vêem as sobras...

(enfim, um rápido desabafo)
:)