Friday 20 November 2009

Por as ideias no sitio (nao acentado outra vez)

Entao a ideia e' escrever um ensaio sobre os pontos fortes e fracos da perspectiva auteurista (se me permitem a transformac,ao clandestina) como me'todo de critica. Ha' ja' muita coisa escrita sobre o assunto, e de forma supreendentemente mais inteligente do que o costume em Film Studies, portanto torna-se fa'cil criar uma daquelas tipicas listas de pro's e contras, onde se vai acrescentado pontos e se espera ate' ver qual das colunas e' maior para decidir que lado apoiar.

Do lado dos pro's (isto e', as razoes pelas quais podemos considerar a perspectiva auteurista um me'todo de critica eficaz, quanto mais completo e abrangente) temos o facto de promover uma leitura mais visual do filme, pois reconhece o mise-en-sc'ene como a derradeira construc,ao cinematogra'fica, a conjunc,ao dos elementos responsa'veis pela criac,ao de significado ao longo dos planos e sequencias do filme. Ou seja, reconhece no filme as propriedades de imagem, som e performance como as essenciais na sua articulac,ao comunicativa e portanto os materiais (chamemos-lhes assim) para a construc,ao da obra de arte. Parece muito fa'cil perceber isto, mas considerar qualquer coisa academicamente leva muita letra e de facto a critica antes da gerac,ao de ouro dos Cahiers do Cin'ema nao pensava nestes termos, e se nao tivesse sido apresentada esta perspectiva, as nossas expectativas e considerac,oes sobre cinema seriam completamente diferentes.

A partir daqui, as vantagens ramificam-se. A partir do facto de se considerar o mise-en-sc'ene como a verdadeira arte no cinema e' lo'gico considerar o seu responsa'vel como o verdadeiro artista no cinema, dai a perspectiva do realizador como auteur, cuja visao pessoal se manifesta em todos os elementos do filme e se sobrepoe ao texto na criac,ao de significado. Isto criou tambe'm o culto do realizador, uma idolatrac,ao da mente por tras da camara em vez da imagem do actor, que de facto e' tambe'm so' um meio por onde a visao dessa mente omnipotente se manifesta.

A atitude com que se veem filmes mudou. Um novo tipo de cinefilia: desta vez um grupo mais atento, mais analista, quase como detectives 'a procura de pistas, mensagens especificas que o realizador, atrave's do seu controlo da semiotica da imagem, espalha no ecran, que nos vao dar uma interpretac,ao mais profunda sobre o que se passa ali. Hitchcock, Sirk, Godard, Fassbinder, Lynch, Tarantino...a niveis diferentes, e com publicos-alvo diferentes, todos eles jogam com o entendimento que o publico vai adquirindo da sua linguagem mise-en-sc'enica (mais uma liberdade linguistica, se me permitem, a emigrancia complica o cerebro), como que lhes ensinando a forma como falam para poderem ser entendidos. No caso de alguns, metalinguistico per se, sem mais nenhum objectivo do que a satisfac,ao de compreender.

E' assim actualmente que se ve cinema intelectualmente: criticos sentados ao lado uns dos outros na fila de tras, expressando o seu entendimento por fungadelas de desprezo ou satisfac,ao (raramente surpresa, pois isso seria ridiculo) para com os truques que o realizador lhes apresenta. Either you get it, or you don't..e' esse o espirito.

Ora, este tipo de critica e', a meu ver, extremamente antiquado e ja' o era quando apareceu. Apesar de ter como base uma considerac,ao essencial e na minha opiniao verdadeira (imagem, som e performance como materiais da construc,ao artistica cinematografica) encara-a de uma forma incrivelmente romantica! O realizador, enquanto responsavel pelo mise-en-scene, e' sim o elemento crucial do processo de criac,ao do filme mas de forma nenhuma nos podemos esquecer que o cinema e' uma arte colaborativa, e a imagem nao cabe so a esse papel, mas tambem 'a criatividade do cinemato'grafo e do operador de camara. Basta pensar na parceria entre Orson Welles e Gregg Toland em Citizen Kane, geralmente considerado o melhor filme de todos os tempos. E mesmo que se desvalorize a narrativa no cinema, como elemento demasiadamente litera'rio, o argumento (isto e', a estrutura da mensagem) e' igualmente essencial e nao parte necessariamente do realizador.

A ideia de que o realizador e' a mente por detra's da obra e' totalmente equivocada, e' um mito que serve o cinema numa perspectiva muito mais comercial do que como critica artistica. Alia's. numa visao alargada do cinema (incluindo documentario, experimental e curta-metragem, para ale'm de ficc,ao) a intenc,ao criativa da projecc,ao final pode ser totalmente estranha ao realizador, e normalmente nas grandes produc,oes de entretenimento, e'. O que nao significa, no entanto, que o filme em si perca o seu valor artistico. E' ai que esta' o grande contra da perspectiva auteurista como me'todo de critica: induz uma expectativa errada em relac,ao ao filme.

O cinema e' uma arte colaborativa, sensorial, com um potencial de projecc,ao/identificac,ao como nenhuma outra, possivel de moldar em va'rios formatos e ge'neros e ainda manter-se intelegivel. Fazer dela um jogo de adivinhas e' deixar-se ficar muito 'a superficie, um insulto 'a potencialidade do meio. Este me'todo de critica promove esta atitude na industria, nos criadores, e no pu'blico - e o cinema abafa e morre, por concretizar...



Este e' o esqueleto do ensaio. A desenvolver.

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