Para fazer um wrap-up dos dois últimos posts e explicar o que é que eu estou para aqui a tentar dizer. Começo pelo ICA.
O Institute of Contemporary Art de Londres organizou para este mês de Fevereiro um conjunto de conversas e conferências a que chamou Feedback que pretende reflectir sobre como o facto de termos crescido com jogos de computador, internet e telemóveis, entre botões, comandos e écrãs, nos mudou como seres humanos e que oportunidades e perigos isso traz para o nosso futuro.
No meio destas conferências todas, e porque estas coisas mais fixolas têm de se pagar, escolhi ir à do Peter Greenaway, por ser aquele cujo trabalho conheço melhor e porque o tema era também o que mais me interessava. Peter Greenaway on the New Visual Literacy, foi uma conferência no teatro do ICA, um espaço com aspecto de estúdio de vídeo onde montaram umas bancadas e um écrã e juntaram cerca de 200 pessoas para ouvir aquele inglês self-righteous e o que ele achava ser a forma como as técnicas cinematográficas deviam ser trabalhadas agora e daqui para a frente. Ou seja, precisamente o que ele está a fazer.
Primeiro, anunciou, como já se tem vindo a fazer há muito tempo, a morte do Cinema de duas horas numa sala escura a olhar para um écrã. Não vai haver nada para os esforços de Bollywood de controlar o mundo se insistirem na estratégia que escolheram - vieram tarde de mais. O cinema europeu, dito Art House, diz Greenaway que morreu com Fassbinder em 82. Afinal não ando tão longe assim das coisas. Este meio só pode sobreviver passando para fora da sala de cinema - e isto já aconteceu -, o que falta é passar também definitivamente a linguagem cinematográfica cá para fora.
Diz ele que desde que a civilização se reconhece (i.e. a invenção da escrita) que os TextMasters (podia ser um nickname de um anonymous) controlam a imaginação, através das leis, da religião, da ficção, da transmissão do conhecimento. No entanto, agora, estamos no meio de uma revolução que substitui a Gutenberg revolution. O texto morre e há uma democratização da imagem.
Um parêntesis. Uma das coisas interessantes no trabalho do Greenaway é o facto de ele considerar o texto como imagem também. Algo que não é novo de todo. Durante milénios, texto era verdadeiramente um conjunto de imagens organizado para transmitir uma mensagem. Na nossa cultura evoluiu para este conjunto de caractéres que representam fonemas, mas as culturas orientais mantiveram o sistema hieroglífico. E mesmo que na nossa cultura o texto tivesse ocupado o lugar de controlador principal da imaginação, a pintura desenvolveu a linguagem de imagens como uma forma elitista de comunicação. O que me leva ao próximo ponto do Greenaway. Btw, já faz falta um dicionário online de jeito em português.
O que ele diz a seguir é, apesar desta democratização das imagens, da sua disseminação em tudo o que é sítio, da nossa imersão nos seus significados, até que ponto se pode dizer que somos capazes de entender uma imagem, de reconhecer a sua qualidade e de a produzir. É a questão da quantidade não ser qualidade. Quantos de nós, que somos todos bombardeados com imagens, somos educados de forma a compreendê-las? E mesmo os que somos educados para compreendê-las, quantos de nós as compreendem realmente? E quantos de nós são capazes de criar imagens que possam ser definidas como linguagem? Porque se vamos passar para um mundo em que a linguagem principal não é o Verbo mas a Imagem, temos de a saber ler (se bem que me lembro agora do 11 de Setembro e primos afastados que mostram que também nunca soubemos bem ler o Verbo).
O Greenaway diz que a solução está no cinema. Não no espaço, nem no ritual, mas na sua linguagem. A linguagem cinematográfica é aquela que mais potencial tem para falar no presente, de forma fragmentada, não-narrativa e interactiva. O suporte é que precisa de mudar. Morra o 16:9, o 4:3, o rectângulo, o plano. A luz pode projectar-se em superfícies mutáveis, de diversas dimensões e envolvências.
Há uns tempos, quando nós cá pensávamos no projecto do You against You, a minha ideia era envolver a performance com projecções de imagens e vídeos que a enquadrassem e lhe oferecessem um grau mais profundo de leitura, que permitissem níveis de associação de imagens mais elevados. O YaY ficou de lado por causa da 'vida' em geral. Mas havemos de lhe pegar outra vez. Outra ideia era criar várias perspectivas de um acontecimento num espaço e sobrepô-las em projecção. Acho que é o meu projecto mais arrojado, porque é o modelo que até agora consegui conceber que mais se aproximasse da Realidade - um conjunto de visões subjectivas que se imprimem e existem todas no mesmo espaço e no mesmo timeframe. E diga-se de passagem que o meu projecto da PAA tem muito mais disto por trás do que eu me atrevia a dizer.
Voltando ao Greenaway, depois de explicar as novas possiblidades desta revolução da linguagem, ele mostrou os seus trabalhos dos dois últimos anos que vão desde VJ-ing (Writing on Water), a instalações (The Obsessions of Italian Design, Blue Planet), a intervenções online (the Tulse Luper suitcases), a recriações de pinturas (The Last Supper, Nightwatching). Que embora sejam todos instalações que usam o espaço e o tempo (a imagem como unidade de significado no vídeo manifesta-se no loop, coisa interessante) de forma muito mais interventiva e activa do que estamos habituados a presenciar, suscitaram as seguintes reacções do público: 'O seu trabalho é fascinante e inspirador, no entanto não me sinto muito envolvida no que se está a passar. Isso é algo que está à espera do seu público?' e 'Sim, isto é revolucionário e muito interessante, mas estas conferências são sobre o nosso Feedback, a transformação do consumidor em prosumer (producer+consumer), e não posso deixar de salientar que tudo o que nos mostrou é uma produção sua, dos seus interesses, que nos é imposta para apreciarmos.' O Greenaway não soube muito bem responder a isto. Disse que não estava à vontade com a interactividade e desconfiava dela, e apesar de acreditar na progressiva 'morte do autor' para uma produção artística em massa, não acredita ainda que estejamos num ponto em que haja um número suficiente de artistas (o ideal que ele descreveu é uma proporção de 1 para 1) que dominem a linguagem da imagem para isso acontecer. Passa primeiro por uma abordagem diferente a nível de educação.
A meu ver, a questão responde-se de forma diferente. O artista é um tradutor, um meio que processa uma experiência e a exprime de forma a comunicá-la as outras pessoas. Ora, o valor de uma experiência (ou da sua tradução, para este exemplo é a mesma coisa) depende do número de pessoas que o seu significado consegue atingir. Digo que o valor aumenta porque a experiência torna-se importante para um maior número de gente e portanto o seu peso psicológico aumenta. Significa que os seus pressupostos vão ser partilhados e incluídos na memória colectiva e influenciarão pessoas, actos, pensamentos, produções futuras, mesmo que num nível subliminal. Isto está na base da arte primitiva como está na base desta nova arte contemporânea. A obra do Greenaway perdurará pela forma que ele lhe deu e pelos temas que aborda, mais do que pelo conteúdo com que trabalha. Não é exactamente uma arte para se sentir, é uma arte para se experienciar. E cada tem a liberdade e os meios para produzir o que for capaz.
Mas estou a ver o problema a que estas pessoas se referem. Não é só o problema de compreender as imagens e produzi-las. O problema também é como senti-las. Muitas vezes é tão frustrante: somos tão bons a pensar, porque raio é que temos de sentir também? Porque não somos racionais apenas, somos emoção, impulso, sentimento também e é por esse lado que vivemos/experienciamos/aprendemos mais. A arte tem de apelar ao sentimento. É aí que a linguagem cinematográfica faz a sua triunfante entrada aos trambolhões. O ser humano só vai ao cinema para sentir (há seres humanos que também vão lá para ocuparem a cabeça, mas é uma comunidade pequena) porque é a linguagem mais envolvente e mais eficaz nesse aspecto. É resultado de uma conjugação de todas as artes antigas e pode ser aplicada às artes novas. Não digo que seja a solução derradeira ou o auge da produção artística. Mas para já, pode e deve e está a ser reinventada.
Tanta coisa pela frente!
Tuesday, 10 February 2009
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4 comments:
do alto da minha ignorancia para dominar a linguagem da imagem , venho so falar-te do ''Fassbinder'' . Aquele livro que viste na FNAC , que tinha tipo os arquivos dele , ainda continua lá , mas agora já aberto para toda a gente ver ! E agra ta tambem um teatro dle no teatro s.joão .. salvo erro chama-se '' o café '' .. acho que desde que me falaste no homem , ele me persegue a todo o tempo ! x)
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Realmente as questões que Greenaway coloca da compreensão das imagens e a sua linguagem são bem vistas.
bai gobernmar o mundo!
tens problemas com preguiças gays????????!!!!!!!!!!!!!!!
btw comentario mt produtivo no blog da escola !
e ps: ve os preços do mac ai : )
O cambio eras tu! xD
e q acho q fica a dois mil euros e aqui fica 2500
esse é o meu...n e o do curso tdo !
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